A miragem chinesa na América Central

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Xi Jinping, em visita ao Panamá em 2018, cumprimentou o então presidente Juan Carlos Varela
Xi Jinping, em visita ao Panamá em 2018, cumprimentou o então presidente Juan Carlos Varela

Embora a Costa Rica tenha reconhecido Pequim como seu parceiro diplomático desde 2007, a avalanche regional a favor da China começou com o Panamá em 2017, seguido por El Salvador em 2018, Nicarágua em 2021 e Honduras em 2023.

As abordagens das nações centro-americanas e do República Popular da China (RPC) estavam rodeados de narrativas grandiosas divulgadas por funcionários e aparelhos de propaganda de ambos os lados, aludindo continuamente a oportunidades e benefícios fantasiosos, com presentes simbólicos que iam desde estádios a parques de diversões.

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Estas relações entre os países da América Central e a República Popular da China deixaram uma enorme défice comercialprojetos fracassados ​​e uma acentuada falta de transparência nas relações da RPC com elites corruptas de países com líderes autoritários.

Os pequenos países centro-americanos enfrentam um mercado desigual, distante não só no sentido geográfico, mas também em questões estruturais. Esta desigualdade de condições reflecte-se no défice comercial.

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Embora as exportações da América Central para a China tenham passado de 112,04 milhões de dólares em 2003 para 1.777,54 milhões de dólares em 2022, as importações aumentaram de 502,98 milhões de dólares para 14.552,81 milhões de dólares entre as mesmas datas, multiplicando-se 28,93 vezes.

O défice comercial entre a RPC e a América Central multiplicou-se 32,68 vezes, segundo dados da Secretaria de Integração Econômica Centro-Americana (SIECA). Somam-se a isso os obstáculos ao acesso aos produtos de uma região agrícola e de baixa tecnologia. Se não houver minerais ou infra-estruturas estratégicas, a China não parece interessada em comprar à América Central.

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A marca global da China como fábrica de bens estaria a induzir a região a reprimarização de sua economiaao mesmo tempo que desloca os seus produtores dos mercados locais e internacionais, como os Estados Unidos e a Europa.

Para a América Central, isto acentua a sua dependência externa ao aumentar a sua exposição à volatilidade dos preços experimentada pelas matérias-primas, das quais são obtidos lucros mais baixos e imprevisíveis em comparação com os bens manufaturados.

Por outro lado, o os investimentos são escassoscontrolada por empresas e trabalhadores chineses, em países com elevadas taxas de subemprego, sob modalidades de empréstimos que muito provavelmente terminarão em incumprimento.

Sob esse modus operandi, Nicaráguaum país instável sob uma ditadura com um futuro incerto, acumulou mais de 600 milhões de dólares em dívidas com a RPC desde que rompeu com Taiwan em Dezembro de 2021. Para a economia mais pobre da região, isto representa 5% do seu PIB.

Além disso, o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) chinês na América Central representou apenas 0,34% do total recebido pela região entre 2000 e 2016; e de 2010 a 2021, segundo o Conselho Monetário Centro-Americano, representou apenas 0,30% do total recebido no período.

O regime de Daniel Ortega na Nicarágua contraiu centenas de milhões de dólares em dívidas com o governo chinês EFE/ Presidência da Nicarágua
O regime de Daniel Ortega na Nicarágua contraiu centenas de milhões de dólares em dívidas com o governo chinês EFE/ Presidência da Nicarágua

O monitor de saída de IDE (ou OFDI) de 2023 da China na América Latina e no Caribe constatou que dos 600 investimentos registrados (US$ 184,62 bilhões) que as entidades chinesas fizeram na América Latina e no Caribe, entre 2000 e 2022, apenas 17 (US$ 1.505,2 milhões) estavam na América Central.

Apesar do pequeno volume de investimentos, têm sido assolados por irregularidades, como em Costa Ricaonde não foi construída uma refinaria e uma rodovia que liga a capital San José ao Caribe não foi concluída, depois de uma década.

Política e diplomaticamente, o governo chinês apresenta-se como uma potência sem pretensões hegemónicas, cooperativa e promotora da paz internacional e de uma nova ordem mundial multipolar. Além disso, afirma ser um parceiro comercial que não impõe condições e afirma ser um ator internacional responsável e confiável. Contudo, como qualquer outra nação, a China mobiliza a sua política externa orientada pelos seus interesses estratégicos, que para a América Central estão relacionados com a remoção Taiwan da região.

A América Central interessava à China porque nesta região, até há poucos anos, Taiwan tinha reconhecimento e apoio internacional. Mas isso já mudou. O que resta é o apoio a projectos autoritários como na Nicarágua, El Salvador e Honduras, o que representa um risco não só para a estabilidade democrática e económica da região, mas também do hemisfério.

A Nicarágua tem procurado apoio para contornar as normas internacionais em termos de práticas democráticas e de direitos humanos, ao mesmo tempo que El Salvador e Honduras eles sentem apoio aos seus ambientes populistas.

Os riscos para as democracias fracas aumentam devido à fragilidade institucional da Nicarágua, Honduras e El Salvador, que são aproveitados pela China para chegar a acordos que permitam investimentos. Estes são fornecidos em termos de confidencialidade e com taxas de juros onerosas que apenas favorecem grupos de interesse ligados a círculos corruptos de poder.

Nayib Bukele, em sua visita à China em 2019 (Foto de Noel Celis/AFP)
Nayib Bukele, em sua visita à China em 2019 (Foto de Noel Celis/AFP)

No que diz respeito à cooperação da China com a América Central, os seus resultados podem ser considerados mistos. Embora, com o patrocínio chinês, tenham conseguido promover diversas obras, sobretudo infra-estruturas que tendem a ser muito divulgadas, a verdade é que essa cooperação se faz em termos opaco, Chegam mesmo ao ponto de contradizer as narrativas oficiais de não-condicionalidade da cooperação chinesa, tal como sublinhado pelo Presidente salvadorenho Nayib Bukele.

A formulação de projectos financiados pela China também é questionável. Os critérios técnicos que os fundamentam e a sua execução são realizados sem possibilidade de auditoria por instituições públicas, imprensa independente e sociedade civil.

Do meio digital Arquivo público A presença de uma variedade de empresas chinesas com registos notáveis ​​de corrupção e más práticas foi documentada noutros países da América Latina e em África.

Além disso, este meio começou a documentar operações do partido comunista chinês sobre governação regional. Estas relações caracterizaram-se por condicionar a política externa centro-americana aos seus interesses.

A China promove relações bilaterais opacas e utiliza a sua aparelho de propaganda promover a desinformação em benefício dos seus objectivos estratégicos na região.

Os argumentos acima, longe de sugerirem uma ruptura com a China, defendem a necessidade urgente de analisar e repensar as relações sino-centro-americanas a partir do pragmatismo da realpolitik. Este repensar poderia garantir melhores resultados do que os alcançados até agora para a região.

Para isso, é condição sine qua non reconhecer que a China é uma potência que persegue interesses estratégicos e que, para os alcançar, não hesitará em utilizar ferramentas diplomáticas, económicas e mediáticas. Muitas destas ferramentas irão, sem dúvida, colidir com os interesses dos seus próprios aliados.

Esses aspectos são analisados ​​com maior profundidade no trabalho recente de Abrir arquivointitulado China na América Central: estratégias, influência e operações no século XXI.

Este estudo oferece uma visão abrangente dos interesses, estratégias e operações da China na América Central, examinando a sua influência perniciosa na economia, cooperação e governação da região, e também sugere alternativas à sociedade civil, cooperadores, empresários e governos para um futuro melhor da esses relacionamentos.

*O autor é diretor executivo do think tank centro-americano Expediente Abierto, por seu trabalho crítico foi desnacionalizado pelo regime da Nicarágua em 2023.

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